COMENTANDO TIRAS – Meus Nervos

Nessa sessão avaliamos as três últimas páginas ou tiras do seu site de quadrinhos e discutimos o que faríamos para melhorá-las.

O avaliado de hoje é o doutor Solon Maia, do site de tiras Meus Nervos.

Quer participar? Mande um e-mail para contato@cafecomhq.com ou comente aqui no Café.

Leonardo Maciel– Não tenho muito o que falar aqui já que acho que a função da tira é mais um desabafo do que uma piada em si.

Mas uma coisa que eu faria seria inverter o sentido que o doutor está olhando no primeiro quadro. Se ele estivesse olhando pra direita, seu olhar ajudaria a conduzir o leitor para o próximo quadro. Esse é um recurso que pintores usam desde o renascimento e que realmente ajuda.

Rafael Dourado– Acredito que é uma questão de estilo, opção estética, mas os queixos proeminentes de personagens femininos me incomodam um pouco. Quanto ao ritmo da piada, acho que o valor não precisaria constar no primeiro quadro. Eu substituiria pela alíquota de imposto – 30% do salário por mês – porque, do contrário, eu fui obrigado a fazer a conta e agora sei quanto o doutor ganha – e já sei pra quem pedir uma grana emprestada quando precisar. 😛

Rafael Marçal– Tecnicamente só tenho uma ressalva que é o primeiro quadro, com o rosto do doutor muito encostado na borda, levaria tudo mais para a direita e tentaria harmonizar mais o fundo para deixar centralizado, aquele corte diagonal me incomoda porque parece que está tudo torto.

Sobre o conteúdo eu entendo que é um desabafo da categoria, acho superficial e generaliza, mas não é algo assim para que justo eu faça qualquer crítica, só opinião pessoal, mesmo.

Rodrigo Chaves– Gosto muito dessa divisão dos quadrinhos por uma ‘barra preta’, sem ter espaço entre eles. Fica uma solução diferente, inusitada e que funciona muito bem. Gosto muito que o Solon trabalha as tirinhas dele como um bloco, a tirinha é feita visualmente como um todo e os quadrinhos, os balões de fala e tal fazem parte desse todo. Esse “pensar no todo” e “trabalhar o espaço” é algo que se vê muito em páginas de quadrinhos, mas dificilmente se vê o pessoal das tirinhas fazendo.

Visualmente, algumas soluções anatômicas dos personagens me incomodam (longe de mim achar que o Doutor precisa estudar mais anatomia, só estou falando do desenho, haha). Por exemplo, a junção do braço da mulher com o corpo no último quadrinho me incomoda demais. Me parece que o braço sai do meio do peito dela, não sei.

Wesley Samp – Gostei do texto da tira, trouxe uma lógica invertida para refutar um discurso clichê do usuário de serviço público. Quanto à arte, só tenho ressalva quanto ao primeiro quadro, pois achei que a imagem não casou tanto com o texto. Preferia ver o Doutor com um expressão mais indignada, que reforçasse a irritação apresentada no recordatório e com a situação apresentada na tira.

André Farias– Me identifico com o trabalho do Solón por (entre outras coisas) mostrar o outro lado da moeda da sua profissão. Também acho demais quando ele utiliza esse contexto para fazer críticas sociais, políticas, religiosas, etc…

Eu também venho tentando fazer o mesmo.

Também curto muito o seu traço bem característico, quase deformado, que é mais próximo dos quadrinhos de terror do que de humor. Acho que isso pode causar um certo incômodo pra quem ainda não está acostumado com o seu trabalho.

 


Leonardo Maciel– Tira bem estruturada é mais difícil de comentar. Gostei do desenho da morte, principalmente o corpo todo em silhueta. Senti falta de uma exclamação no balão do primeiro quadrinho e a única mudança que eu faria, que acho que deixaria mais engraçado, mas que entendo se discordarem de mim, seria não sumir com a morte no último quadro, mas mudar completamente a atitude e expressão dela.

Acho que se ela assumisse uma postura feliz de parabéns ia contrastar mais com os quadros anteriores. Um desenho que tentasse mostrar um sorriso, arqueasse a coluna dela pra trás e abrisse os braços num “Parabéns! Feliz dia do médico!”, talvez ficasse melhor.

Rafael Dourado– Acho que o suor no último quadrinho é um elemento de continuidade desnecessário, dá mais a sensação de alívio do que de raiva pela “pegadinha”. E acho que o olhar meio assustado no primeiro quadrinho não conversa bem com o que se espera do doutor – no quadrinho do meio faz sentido, mas no primeiro podia ser um ar mais indiferente.

Rafael Marçal – Essa é muito boa, tem a pegada infame que mais me agrada no seu humor, acho que o que atrapalhou foi a confusão de expressões no primeiro quadro. Ele fala com as sobrancelhas arqueadas e fica com uma cara assustada apesar de parecer bem entediado com a visita se seguirmos o que é dito. No terceiro melhorou bem misturando o alívio com a raiva por ter sido enganado pela Morte, aliás seu desenho da Ossuda ficou algo muito superior.

Rodrigo Chaves– Acho muito interessante a ideia de ter um personagem “Morte”. Um médico lida todos os dias com ela e essa relação poderia ser muito explorada.

A única coisa que me incomoda nessa tira é o Doutor estar falando com a morte, mas estar de costas para ela. Se um personagem fala com o outro de costas, é legal desenhar ele fazendo alguma coisa, para justificar a posição. No caso, o Doutor não está fazendo nada, ele simplesmente está de costas. Acho que seria legal ter feito o Doutor numa escrivaninha trabalhando, ou anotando alguma coisa em uma prancheta.

Wesley Samp –  Também curti o texto dessa tira, e minhas ressalvas novamente ficam para a arte. No primeiro quadro eu teria optado por mostrar o Doutor e a Morte cara a cara. Da maneira que o quadro ficou disposto, deu um pouco a sensação de que o personagem apenas “sentiu” a presença da Morte, mas isso, de qualquer modo, ficou meio indefinido pra mim. No último quadro eu mudaria um pouco a expressão do Doutor, dando mais uma cara de alívio para ele.

André Farias– Essas luzes e sombras fizeram-me lembrar do clássico “O Gabinete do Dr. Caligari”. Os quadrinhos estreitos dão uma sensação claustrofóbica. O Meus Nervos é a única webcomic, pelo menos que eu me lembre agora, capaz de causar risos nervosos.

Eu só mudaria o último quadro (apenas por uma questão de gosto pessoal mesmo) para em vez de colocar o Dr. zangado, colocaria ele respirando aliviado. “Ufa!”

 


Leonardo Maciel– pra mim, a melhor piada das três, não mudaria nada.

Uma dica geral que daria pro doutor, no entanto, seria estudar melhor a movimentação dos seus personagens. Acho seu estilo de desenho bem legal, mas acho seus personagens muito duros na maioria das vezes. Os livros “Dando Vida a Desenhos” do Walt Stanchfield são ótimos pra isso, ou simplesmente procure exercícios de Gesture Drawing no google, que tem muita coisa por aí.

O problema da junção do braço com o corpo na primeira tira, como o Chaves comentou, é justamente um problema do gesto. Quando uma pessoa coloca um braço pra frente, não faz isso só com o braço, mas inclina o corpo todo pra frente. Quando você começa a prestar atenção nessas coisas seu desenho alcança outro grau de realismo.

Rafael Dourado– A frase do último quadro – embora seja o ponto chave da piada – está um tanto prolixa. Talvez tirar o “não tente me enrolar” deixaria o resultado mais dinâmico.

Também implico um pouco com a expressão da Luísa no último quadrinho. Ela parece pronta pra defender a acupuntura, e supostamente seria apenas uma menina tomando bronca do pai – a atenção no quadrinho precisaria estar mais nele do que nela.

E um detalhe bobo, mas a mancha na camiseta do doutor no primeiro quadrinho parece cicatriz de cirurgia de implante de silicone… Eu acho. 😛

Rafael Marçal– Essa é boa, crítica mais profunda e a levada ficou suave, ótima tira. Mas o que as expressões sobraram nos dois primeiros quadros faltaram no último. Uma dica, tente desenhar outras pessoas, outras expressões, outras etnias, você tende a desenhar todo mundo com o seu queixo e seu nariz, por mais que seja sua filha não é tão parecido assim, para sorte dela.

Ah, a unha do indicador no último quadro ficou um A-RRA-SÔ, sem cutícula e redondinha, modeeeerno.

Rodrigo Chaves– A menina no primeiro quadrinho está muito legal. Adorei o gesto da mão direita dela. Só tome cuidado ao desenhar crianças para não reforçar demais linhas de expressão, pois isso vai fazer elas deixarem de parecer crianças e passarem a parecer velhas. No último quadrinho ela está parecendo uma velha.

No mais, muito boa a tirinha, principalmente por causa da crítica. Gosto muito das tirinhas do Meus Nervos porque vejo que o Solon está escrevendo sobre coisas que incomodam ele, assuntos que ele quer compartilhar com as pessoas, e não simplesmente fazendo piadinha sobre médico.

Wesley Samp – Desenhar crianças usando um traço mais rebuscado como o do Solon é sempre um desafio, e ele mandou muito bem nos dois primeiros quadros. Só no terceiro que dá a sensação de que a personagem é adulta. O texto aqui pra mim também está bacana, e acho que a maneira como ele ilustrou a tira foi a que mais encaixou com o texto entre as três que vimos aqui.

No geral, eu acho o trabalho do Solon muito bacana. Tanto os textos quanto a arte conseguem passar uma sensação de inquietude que acredito ser justamente a intenção dele. A arte que abusa (no bom sentido) das hachuras e pautada no preto-e-branco só reforça isso. Minhas únicas sugestões são para que ele dedique um pouco mais de tempo a pensar nos enquadramentos das cenas e nas expressões dos personagens pra que isso fique mais harmonizado com o texto, além de trabalhar um pouco na fluidez dos movimentos dos personagens. Como o Léo comentou, por vezes os personagens ficam um pouco duros. A gente sabe que muitas vezes ele prepara as tiras nos intervalos dos seus plantões (pra quem não acompanha o Meus Nervos!, o Solon é médico plantonista) e já é admirável que ele consiga fazer um material tão bom e uma arte tão densa com tão pouco tempo livre. Esses problemas que comentei aqui são bem típicos de se cometer quando temos pouco tempo pra trabalhar a tira. Mas pela habilidade do Solon, acho que são questões que ele consegue resolver numa boa.

André Farias– Muito bacana a ideia. Tenho certeza que muitos médicos curtiram 😀

Confesso que algumas tirinhas do “Meus Nervos” causaram-me um certo desconforto por porque o Solón não alivia, nem mesmo com temas tão pesados como doenças e morte. Não que eu ache que deva mudar seu estilo, mas não leio suas tirinhas à noite 🙂

A expressão da menina com o “vodú” dá medo!

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4 comentários

  • Já palpitei no Meus Nervos há séculos atrás, mas não custa nada eu colaborar agora também.

    #1
    Concordo sobre o tamanho do texto, tento sempre reduzir o meu texto ao máximo para evitar perder o leitor e o ritmo da piada, estou de acordo com o Dourado nesse caso.
    No primeiro quadro incomoda um pouco a angulação dos olhos, onde o direito está mais para cima. Na mulher eu tiraria as linhas de expressão da região da boca-nariz e experimentaria alguma coisa mais suave nos olhos, para feminilizar mais a personagem.
    No último quadro o padrão de crânio do Solon fica bem evidente. Testa reta, maxilar protuberante, queixo grande. Neste caso recomendo uma pesquisa maior sobre formações craniais para variar mais as cabeças.

    #2
    Eu gostei muito dessa tira, minhas sugestões vão só contra o suor e o sumiço da morte no último quadro. O “puff” não funciona muito bem. Um balão apontando para fora do quadro resolveria a ausência da Morte.

    #3
    O pessoal já falou quase tudo sobre esta última, mas eu ainda queria atentar ao sorriso da Luísa no 2°, que está aberto de uma forma um pouco assustadora. Uma boca de criança não chegaria a este tipo de abertura, e imaginando frontalmente, veríamos um sorriso à la Coringa.

    No mais, parabéns ao Solon pelo magnífico trabalho e pelo sucesso! Desejo ainda mais crescimento ao seu trabalho e ao blog, que tem tudo que precisa para isso, principalmente seu coração no que está fazendo.

    Abraço!

  • Primeiramente, quero dizer que sigo o site do Dr. Solon, já li todas as tiras do site mais de uma vez, e acho impossível desconsiderar este pano de fundo ao falar de tiras específicas.

    A primeira tira achei muito boa, não saberia o que alterar. Talvez o detalhe comentado pelo Maciel, sobre o olhar do doutor direcionar o olhar do leitor para o próximo quadrinho. Mas confesso que não teria pensado nisso por mim, se não tivesse lido a ressalva dele. Quanto ao que foi comentado pelo Dourado, acho que colocar um valor relativo teria um efeito ligeiramente diferente ao que a tira original tem: ao colocar uma porcentagem ou algo do gênero, a tira talvez ficasse mais empática, pois cada leitor faria as contas de quanto paga de impostos ao ser obrigado a enfrentar uma situação como esta ou análoga; do jeito que está, com o valor absoluto, a tira passa mais a indignação específica do doutor, que paga X reais para ainda ter que ouvir uma merda dessas.

    Na segunda tira, confesso que também me chamou a atenção o fato de ele estar conversando de costas para a Morte. Não sei se isso tem algum objetivo semiótico, mas eu não mudaria; ao invés, teria adicionado o detalhe de o doutor estar olhando para um espelho. É um clichê, mas enxergar um ente normalmente invisível por uma superfície reflexiva traria um ar sobrenatural à tira. Outra coisa pra reforçar este clima, eu não ligaria o balão do segundo quadrinho à entidade, mas colocaria a caixa de texto (observando que o balão da morte tem uma estética própria) flutuando no quadrinho, pra dar a impressão que a voz está vindo de lugar nenhum, do além. Agora, quanto à expressão do terceiro quadro: como eu disse, não dá pra ignorar o resto do trabalho. Quem segue o site sabe que a Morte é uma personagem recorrente, o que faz com que o doutor tenha certa familiaridade com ela. Aliás, a expressão e a fala do primeiro quadrinho sugerem justamente isso. Assim, ao ter ficado puto ao mesmo tempo que aliviado, o doutor denota que trata-se de uma “pegadinha” de uma velha conhecida, mais do que um encontro pontual com a personagem. Só mudaria a quantidade de suor: uma gotinha única percorrida pela face talvez desse melhor a impressão de alívio. Mas isso sou eu, não tenho a experiência com quadrinhos de nenhum de vocês (incluindo o dr. Solon).

    A terceira tira eu acho genial, uma das melhores do site. Nada tenho contra acupuntura, falo mesmo do humor. A única coisa que tem nela que às vezes incomoda no traço do dr. Solon é o sorriso: como os cantos da boca ficam muito repuxados, fica um sorriso meio Coringa. Nesta tira especificamente não está tão pronunciada esta característica, mas em outras às vezes faz o desenho ficar caricato em exagero. Não sei se esta é a intenção. Mas, no mais, o ritmo, o posicionamento das personagens, as expressões, achei tudo excelente! Novamente, uma das melhores tiras do site.

    Vale lembrar que não estou querendo, como acontece com muitos leitores, ensinar o vigário a rezar o terço. Estou só participando do “quadro” segundo sua proposta. Realmente, eu acho PAIA quando um leitor entra nos comentários da tira e começa a dizer: “você devia ter feito assim, esse personagens devia ter respondido assado”.

    O traço do dr. Solon tem algo que é uma coisa muito difícil de conseguir, que é personalidade. A estética dos desenhos é muito característica. Tanto é que quem conhece o site inevitavelmente associa desenhos hachurados ao estilo do doutor. Inclusive, estas questões anatômicas que foram levantadas provavelmente não o seriam em outros casos, em que os desenhos fossem mais do estilo cartum. Claro, sei que cartuns não estão livres de anatomia própria, mas o desenho realista chama mais atenção quando falha em algum detalhe do gênero. Em algumas situações, especialmente aquelas mais estilo humor direto, acho que as hachuras não funcionam tão bem, um cartum mais limpo é melhor. Mas nas tiras situacionais, como é o forte do site, o doutor Solon conseguiu um excelente casamento entre estilo e roteiro.

    Por último, gostaria de aproveitar a oportunidade e falar algo sobre o site, não especificamente sobre as tiras: no começo, tinha algumas tiras que meio que “explicavam” o nome do site. Acontecia algo e em seguida vinha o bordão “Isso afeta… MEUS NERVOS”. Talvez fosse bom fazer uma tirinha do gênero aqui e ali, pra dar aos leitores (principalmente os novos, que ainda não animaram a ver o site todo e estão na primeira página) aquela impressão de “Ahá!! Então é por isso que o site chama Meus Nervos…”

    Abraços ao Dr. Solon. Big fan. Espero conhecê-lo em alguma convenção de quadrinhos algum dia.

  • Acho que um breve resumo do que comentaram sobre como melhorar o desenho poderia ser: utilize referências para desenhar.

    Mesmo que adaptemos ao nosso estilo, termos fotos para observar mais detalhadamente anatomia, luz, sombra, e tudo o mais enquanto desenhamos, melhora MUITO o resultado final do nosso trabalho.

  • Olá pessoal.
    Como editor de um blog de medicina e tecnologia, sou um geek/nerd sem opinião técnica nenhuma com relação a desenhos.
    Porém uma coisa me chamou a atenção e eu preciso comentar aqui.
    Me refiro a tirinha #2 – do dia do médico.
    Pra mim esse tirinha é uma obra prima do Solon, que expressa bem o sentimento do médico (principalmente no pronto socorro) com relação à morte. acho que as expressões faciais e o desfecho são perfeitos – e inclusive em cada crítica que eu li eu pensei: “exatamente! mas isso não é negativo! é o positivo da coisa”.
    Parabéns a galera pelos comentários bacanas, bem humorados e construtivos, e Parabéns ao Solon com sua habilidade de desenho excepcional!
    boa noite! (01h15 – vou lá ver se o Grim Reaper nao tá planejando uma visita surpresa a noite! hahahahh)
    Heleno Paiva

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